Vamos problematizar? | Age gap: até que ponto a diferença de idade entre um casal pode ser considerada saudável?

Esse texto foi originalmente publicado em 22 de janeiro de 2017
Depois de muito tempo pensando sobre qual poderia ser o próximo assunto da coluna “Vamos Problematizar?” do blog, decidi começar o ano propondo uma discussão cujo tema vem sendo um elemento bastante presente nas últimas histórias que tenho acompanhado no mundo dos quadrinhos: age gap.

DEFINIÇÃO

Age gap é um termo que vem do inglês e que pode ser traduzido como “diferença de idade” sem problemas, no entanto, não é qualquer diferença de idade que conta como age gap. A palavra “gap” (literalmente traduzida como “lacuna”) serve para enfatizar que existe um espaço não preenchido entre uma pessoa e outra, pois estando em fases distintas da vida, suas experiências e nível de amadurecimento se distinguem. Portanto, a distância entre uma idade e outra precisa ser significativa para que consideremos a diferença como tal.

PARÂMETRO

Não existe de fato um consenso sobre isso, mas particularmente eu passo a classificar as distâncias como age gap de acordo com o seguinte: 3+ anos na adolescência e 5~10+ anos na fase adulta. O motivo mais lógico pra isso é que a adolescência se trata de um período bem mais curto do que a fase adulta, por isso três anos podem significar uma grande mudança (13 e 16 anos, por exemplo), enquanto mais tarde já não seriam tanta coisa assim (23 e 26 anos, por exemplo). É claro que cada caso é um caso, mas falaremos sobre isso mais adiante.

DISCUSSÃO

Lynn (esquerda) e Mel (direita)
Agora que o conceito foi esclarecido e vocês já sabem qual o parâmetro que eu uso, vamos ao assunto da postagem: até que ponto a diferença de idade entre um casal pode ser considerada saudável?
Bem, vou começar dizendo que eu gosto muito de histórias que se encaixem nessa categoria. Recentemente tenho lido os manhwas Pulse” da Ratana Satis, no qual as protagonistas Mel e Lynn têm 31 e 21 anos respectivamente e “What Does The Fox Say?” do Team Gaji, em que as protagonistas Sungji e Sumin têm 24 e 34 também respectivamente.
Em ambos os casos temos uma age gap de dez anos e fica muito claro  para os leitores que essas personagens estão em fases diferentes da vida, já que Mel e Sumin possuem bagagens infinitamente maiores do que Lynn e Sungji. A coisa fica ainda mais complicada quando consideramos o fato de que tanto Mel quanto Sumin não são pessoas emocionalmente acessíveis, ao mesmo tempo em que Lynn e Sungji estão tendo a sua primeira experiência amorosa. Muitas coisas poderiam dar errado em um cenário como esse – mas é justamente a forma com a qual as autoras escolhem desenvolver esses relacionamentos que me atrai tanto.
Sumin (esquerda) e Sungji (direita)
Não sei bem como explicar, mas a dinâmica entre personagens que apresentam uma diferença de idade significativa é algo que sempre me prende o interesse, principalmente porque as pessoas crescem e aprendem muito umas com as outras quando estão em um relacionamento saudável. Uma pessoa mais velha pode te ensinar muitas coisas, assim como você pode ensinar (ou relembrá-la) de coisas que ela talvez tenha esquecido. Essa mistura de experiências e inexperiências é atrativa aos meus olhos (e talvez tenha algo a ver com o fato de eu vivenciar uma age gap na vida real, então quem sabe possamos considerar essa atração como uma busca por representatividade também).
O ponto chave aqui é que todas essas personagens são adultas e portanto têm capacidade para decidir o que querem fazer com a vida delas. A partir do momento em que você atinge um certo nível de maturidade, é mais difícil você se tornar alvo de manipulação de uma pessoa mais velha. Esse é o problema intrínseco aos relacionamentos de age gap não saudáveis: a relação de poder.

RELAÇÃO DE PODER

Tenho certeza que vocês já ouviram por aí que meninas amadurecem mais cedo do que os meninos, que com 15 anos já sabem muito bem o que querem e o que estão fazendo, entre tantas outras coisas nesse sentido. Não é incomum você ver uma menina adolescente se relacionando com um homem adulto, e talvez até por isso as pessoas não parem para questionar se aquele relacionamento é realmente saudável. O fato é que muitas vezes quando somos adolescentes pensamos que já temos maturidade suficiente para decidir com quem deveríamos nos relacionar ou não, mas é justamente essa ingenuidade da qual os homens mais velhos (que a conhecem muito bem) se aproveitam que acaba nos colocando em relacionamentos abusivos (e às vezes nem percebemos). A Revista Capitolina tem um artigo que explica de forma detalhada como essa dinâmica funciona – “Relacionamentos com caras mais velhos e o que há de errado com eles“, escrito por Gabriella Beira – e eu recomendo que leiam o texto antes de prosseguir. Cliquem aqui e confiram.
Além disso, existem estudos sobre gravidez na adolescência que apontam que muitas vezes o pai dessas crianças é um homem adulto. Eu mesma já presenciei casos desses em que uma menina de 15 anos acabou engravidando de um cara muito mais velho (de 25, por exemplo). As pessoas tendem a colocar a culpa de uma gravidez indesejada na menina ou mulher, mas em um caso como esse, o que raios esse homem mais velho (que supostamente deveria ser mais responsável) estava fazendo? Vejam: é um problema recorrente. Relacionamentos entre adolescentes e adultos com uma diferença de idade significativa tendem a acabar em um contexto abusivo.
É claro que cada caso é um caso e eu tenho certeza que se esse texto chegar em alguém que vivencia uma age gap dessas vai aparecer gente defendendo e argumentando que o relacionamento delas não é abusivo. Tudo bem, eu não tô aqui pra cagar regra em relacionamento alheio nem brigar com ninguém, mas vou continuar mantendo a minha posição de que esse tipo de age gap (adolescente e adulto) não é saudável.
Sakamoto e Himiko
Embora eu já tenha visto um relacionamento assim funcionar na ficção – Himiko (15) e Sakamoto (22) de Btooom! -, ele só deu certo porque a) o Sakamoto não possui a mentalidade de um adulto; b) o autor faz questão de mostrar que ele respeita a Himiko (inclusive tem uma cena em que os dois estão próximos de transar, mas ele percebe que a Himiko não está confortável, apesar de gostar dele, e sem que ela falasse nada, ele para o que está fazendo e diz que podem continuar quando ela se sentir pronta); c) nós, como leitores, conhecemos os personagens e as intenções de cada um.
Sabemos que o Sakamoto só é adulto na idade, sendo talvez até mais ingênuo do que a própria Himiko, e portanto não teria como exercer algum tipo de manipulação sobre ela. Ainda assim, mesmo que saibamos de tudo isso, não me sinto totalmente confortável com esse relacionamento (afinal, ele é conflitante com a minha posição). Por esse motivo, embora eu reconheça que Himiko e Sakamoto não têm um relacionamento abusivo, considero ambos como uma exceção e não a regra. Precisamos ficar muito atentos quando se trata de uma relação entre um adolescente e um adulto.
Por fim, respondendo à pergunta do título: até que ponto a diferença de idade entre um casal pode ser considerada saudável? 
Resposta: até o ponto em que a diferença de idade, levando em consideração as experiências e a mentalidade das pessoas envolvidas, não gere uma relação de poder (um relacionamento abusivo).

Um comentário em “Vamos problematizar? | Age gap: até que ponto a diferença de idade entre um casal pode ser considerada saudável?

  1. Violet Evergarden com certeza… Tipo no começo pensei que ela via o Major como um pai e queria encontrá-lo. Mas depois eu percebi que o interesse era romântico, fiquei de cara. Sério ela tem 14 anos e o cara tem 29 é um absurdo pra mim. Parei de assistir, apesar de ter belas imagens e tal.

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