Tradução | Minorias sexuais no Japão: o mito da tolerância

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Esse texto foi originalmente postado em 31 de outubro de 2016 [Artigo originalmente publicado por Nagayasu Shibun no Nippon.com em 21 de outubro de 2016]

Um graduando da Universidade de Hitotsubashi se matou no ano passado depois de ter sido revelado que ele era gay. A família dele levou a universidade e o estudante que o expôs à justiça. Embora haja uma aceitação superficial no entretenimento popular, preconceitos profundamente enraizados e discriminação contra minorias sexuais permanecem fortes no Japão.

Exposto nas redes sociais

Em agosto de 2015, um graduando do departamento de direito da Universidade de Hitotsubashi tirou a própria vida, meses depois de ter sido “exposto” como gay no aplicativo de troca de mensagens conhecido como LINE. Em agosto desse ano, a família dele levou a universidade e a pessoa que o expôs à justiça por danos. De acordo com relatos da Asahi Shumbun e outras mídias, o estudante confessou para um colega de classe que se sentia sexualmente atraído por ele em abril do ano passado, enquanto os dois rapazes eram estudantes da universidade. O colega de classe reagiu expondo o homem como homossexual para sete membros do seu grupo de amigos através do aplicativo LINE. A família do rapaz está buscando reparação de danos pela angústia mental causada por essa exposição não solicitada e está processando a universidade por danos ao falhar na hora de tomar medidas apropriadas quando o estudante com problemas entrou em contato com a linha de serviço de ajuda da universidade para pedir conselhos antes de tirar sua própria vida.

Uma reputação ilusória de tolerância

Sempre que o assunto da discriminação é levantado, as pessoas gostam de afirmar que o Japão tem sido tradicionalmente tolerante em relação às minorias sexuais. No que diz respeito à homossexualidade, as pessoas apontam para os relacionamentos românticos entre homens e garotos adolescentes que eram comuns entre os samurais e os sacerdotes budistas no Japão Medieval e também no início do Japão Moderno. Os relacionamentos entre o shogun Ashikaga Yoshimitsu e Zeami (o fundador do Nō drama), e o senhor da guerra Oda Nobunaga com seu jovem vassalo Mori Ranmaru, são exemplos particularmente bem famosos. Relacionamentos desse tipo eram conhecidos como danshoku. As escrituras de Ihara Saikaku descrevem os relacionamentos danshoku como sendo comuns entre comerciantes e habitantes das cidades durante o século XVII. Atitudes relacionadas a indivíduos transgêneros também parecem ser tolerantes à primeira vista. Cross-dressing é encontrado na cultura japonesa com uma relativa frequência. Os exemplos mais conhecidos são os atores de onnagata que interpretam papéis femininos no kabuki e o grupo teatral formado só por mulheres conhecido como Takarazuka, embora durante festivais e outras ocasiões especiais também sempre tenha sido relativamente comum que as pessoas se vestissem com roupas do sexo oposto.
Hoje, um número de celebridades que aparecem na TV são cross-dressers. Matsuko Deluxe, por exemplo, um cross-dresser famoso, é uma presença ubíqua em uma variedade de programas e comerciais, e a cantora transgênera Haruna Ai é outra personalidade bastante popular na TV. “Boys’ Love”, um gênero sensual de livros e mangás que trata o assunto do romance entre homens jovens, tem se tornado cada vez mais popular no exterior como parte do fenômeno “Cool Japan“. E as pessoas frequentemente apontam que o Japão nunca teve uma proibição religiosa contra a homossexualidade, como as que podem ser encontradas no Cristianismo e no Islã. Gays geralmente não são sujeitados a punições legais ou violência.
Com base nesses fatos, as pessoas frequentemente concluem que a discriminação contra LGBTs não é um problema no Japão e que os japoneses geralmente são tolerantes em relação às minorias sexuais. De fato, no entanto, essa tolerância aparente é só um aspecto de uma realidade mais complicada.

Alvos de risadas, ignorados e evitados

Que tipos de reação uma pessoa que se identifica como gay ou transgênera pode esperar no Japão? Infelizmente, a realidade para a maioria das pessoas é que elas terão que se acostumar a serem referenciadas como “estranhas” ou depravadas, a serem alvos de risadas, evitadas ou completamente ignoradas. Em alguns casos, elas podem até mesmo enfrentar violência.
Até 1991, o Kōjien, um dos dicionários padrões do Japão, definia a homossexualidade como um “desejo sexual anormal”. E foi somente em 1995 que a Sociedade Japonesa de Psiquiatria e Neurologia anunciou que a homossexualidade não era uma doença mental, finalmente se alinhando aos padrões globais. A visão da homossexualidade como um tipo de perversão ainda não foi inteiramente erradicada a um nível pessoal até hoje.
Toda vez que um fenômeno ou pessoa que se identifica de alguma forma com uma minoria sexual é mencionado no Japão, você pode ter quase certeza que o resultado imediato será chacota e risadas desconfortáveis. Presumivelmente ao se juntarem às risadas, as pessoas esperam provar para elas mesmas e para os outros que elas “não são assim”. Essas piadas são recicladas na televisão, repetidas nas escolas e nos locais de trabalho, até que elas permeiem comunidades ao longo de todo o país.
Entretanto, quando as pessoas percebem que o alvo da piada não é uma personalidade da televisão, mas sim um membro de carne e osso que faz parte de seus círculos imediatos, a triste realidade é que é provável que essa pessoa seja evitada ou tratada com desprezo.

Preconceito generalizado no local de trabalho

Em novembro de 2015, uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisa sobre População e Segurança Social e um número de acadêmicos perguntava aos participantes como eles se sentiriam se descobrissem que um membro de seu círculo social era gay. Uma proporção considerável dos participantes respondeu que eles se sentiriam “descontentes” ou “de alguma forma descontentes”, considerando os vários cenários previstos: 39% no caso de um vizinho, 42% no caso de um colega de trabalho e 72% no caso de um filho. Mais de 70% dos gerentes homens com seus quarenta e poucos anos de idade afirmaram que eles ficariam “descontentes” ao descobrir que um colega de trabalho era gay. E cerca de um terço das pessoas se sentiria relutante à ideia de trabalhar ao lado de uma pessoa gay ou bissexual, de acordo com uma pesquisa realizada pela Confederação da União de Negócios japonesa em agosto desse ano.
Essa relutância para aceitar gays pode levar ao bullying, ao assédio e à violência. Em 2000, três jovens realizaram uma série de ataques contra gays em um parque de Shinkiba em Tóquio, no qual uma pessoa morreu. No julgamento, um dos perpetradores admitiu que “era seguro atacar gays porque eles não denunciavam para a polícia”.
Por trás dessas atitudes está um sentimento generalizado de que pertencer a uma minoria sexual é simplesmente uma questão de o que as pessoas, em sua privacidade, fazem na cama. Ainda há pouquíssima compreensão do fato de que essa é uma questão que pode envolver todos os aspectos da vida de uma pessoa. Fala-se das pessoas LGBTs de forma sussurrada, elas são ignoradas pelo sistema legal do país e por outros sistemas também. A consequência é que, em muitos casos, as minorias sexuais simplesmente deixam de existir e não são vistas como uma presença nas escolas, locais de trabalho e lares.

O primeiro caso legal a testar os direitos humanos dos gays no Japão foi o da Casa para Jovens conhecida como Fuchū, em 1991, quando uma instalação de alojamento controlada pelo governo metropolitano de Tóquio se recusou a permitir a entrada de um grupo favorável aos direitos dos homossexuais para que eles pudessem utilizar a instalação. Embora a justiça tenha sido favorável ao grupo que foi discriminado, o caso ironicamente destacou a extensão do efeito de como grande parte da sociedade prefere ignorar as minorias sexuais. Em 1997, o Supremo Tribunal de Tóquio proferiu uma sentença que dizia o seguinte: “É necessário que os órgãos governamentais mostrem uma consideração meticulosa para com os homossexuais, como uma minoria, e que garantam seus direitos e interesses. É inaceitável que uma autoridade pública seja indiferente ou ignorante a esses pontos”. Apesar disso, 20 anos depois, ainda não há nenhuma legislação que permita o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou proteja os direitos humanos das minorias sexuais no Japão.

Superando a exclusão e o isolamento

Esses exemplos numerosos – transformar as pessoas em alvos de chacota, defini-las como depravadas, evitá-las ou ignorá-las completamente e, em casos extremos, atacá-las com violência – deixam claro que o Japão dificilmente pode ser descrito como um lugar que seja verdadeiramente tolerante em relação às minorias sexuais. A maioria das pessoas LGBTs mantém sua identidade escondida e vive com medo do que pode acontecer caso seu segredo um dia seja revelado. Elas raramente podem contar com o apoio social e, na verdade, existem pouquíssimas fontes com esse tipo de apoio. Elas são forçadas a lidar com a exclusão e o isolamento social, e pensamentos suicidas são notoriamente altos entre as minorias sexuais. No caso do graduando da Universidade de Hitotsubashi que eu mencionei no início desse artigo, parece certo que a exposição inesperada de sua identidade como um homem gay e a resposta inadequada das autoridades da universidade quando ele procurou ajuda foram o que, em última instância, o levaram a tirar a sua própria vida.

Um vislumbre de boas notícias pode ser visto na decisão recente tomada por várias autoridades locais de reconhecer uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, e nas mudanças que estão começando a ocorrer em algumas empresas como consequência disso. Essas mudanças fazem parte de um movimento social mais abrangente para que haja um reconhecimento maior dos direitos da comunidade LGBT. Durante as eleições locais do ano passado e as eleições para a câmara alta desse ano, um número crescente de candidatos e partidos veio a público para falar em defesa das minorias sexuais. Muitas pessoas agora esperam que a sessão extraordinária da Dieta nesse outono trate de debater algum tipo de legislação para proteger os direitos dos LGBTs. O fato que mais alegra no momento é o número crescente de pessoas que está indo à frente para lutar contra o preconceito e a discriminação.

É claro que seria imaturo ficar otimista demais com relação a esses desenvolvimentos. No entanto, eu espero que, com o tempo, essas mudanças comecem a ajudar a pôr um fim às más compreensões e preconceitos os quais muitas pessoas continuam a ter, e que elas nos levem a uma situação na qual as pessoas perceberão que as minorias sexuais sempre serão uma porção das pessoas nos locais de trabalho, nas escolas, nas comunidades locais e nas famílias. Espero que com o tempo as pessoas aceitem a simples verdade de que todos nós encontramos pessoas LGBTs no nosso dia a dia. Talvez isso se torne um pequeno caminho para se fazer as pazes e evitar a solidão e o desespero que levaram um estudante da graduação à morte no ano passado.

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